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Democracias na gangorra

As democracias padecem nas crises. Uns e outros, portando a bandeira do bem da coletividade, fazem pontuações autoritárias, sinalizam “convulsão social’, como se as massas estivessem rogando aos protagonistas com mando sobre o poder militar uma intervenção (um ponto fora da curva) na direção do Estado para justificar “golpe” em pleno século XXI.

Mas isso não ocorre apenas nas democracias incipientes, como a brasileira. A democracia francesa é uma das mais fortes do planeta, farol da liberdade contemporânea. Pois bem, em abril, mil membros das Forças Armadas da ativa e vinte generais da reserva assinaram uma carta aberta onde afirmavam que a França estava a caminho de uma “guerra civil”, culpando “fanáticos” pela divisão social, entre eles os islamitas, que estariam tomando conta de regiões inteiras. O país estaria em perigo.

Quem diria que isso poderia ocorrer ali? Bravata? Maneira de alertar o presidente Macron para a imigração descontrolada? Por aqui, é usual a resposta da esfera política para amenizar as crises: as instituições funcionam. Não é bem assim.

Nunca o Judiciário, representado pelo STF, foi tão questionado e bombardeado. Cenário: ministros objetos de ferrenha crítica, alguns considerados “suspeitos” por terem sido nomeados por fulano e sicrano, decisões que seriam de competência do Poder Legislativo, outras inseridas como recompensa a determinadas figuras.

Os legisladores, por sua vez, apesar do compromisso social, acabam decidindo, por maioria, aprovar pautas do Poder Executivo, ancorados no toma lá, dá cá, em manobras para viabilizar a governabilidade, como orçamentos “secretos” e quetais. Mesmo assim, há tensão entre os políticos e o Palácio do Planalto.

As reformas ganham camadas de bolor e descrédito. A política entrou no índex das coisas imexíveis e só avança naquilo defendido pelo presidente da República, como o voto impresso. Um demérito à urna eletrônica, até então o nosso cartão de modernidade. Um retrocesso está para ser aprovado.

Quando teremos apenas nove, oito ou sete agremiações? Partido virou negócio. Em função de seu descrédito, todos se juntam nesse pântano, o que motiva a permanência de 35 siglas, podendo chegar a 70. Os fundos partidários semeiam os recursos, como é o caso do

desconhecido PSL, hoje entre os mais ricos. E onde estão os escopos ideológicos ou doutrinários? No baú.

Tendo como pano de fundo esse queijo suíço, o mandatário-mor bola artifícios para sustentar seu tempo na cadeira presidencial. Ganhará as eleições de 2022, garante ele, e derrotará a quem se refere como o “nove dedos”. Por isso, prega o voto impresso, que na década de 30 era a arma secreta dos “coronéis”. (P.S. “Seu coroné, posso abrir o envelope para saber em que tô votando? Tá doido, cabra, ocê não sabe que o voto é secreto?”)

Pergunta de fecho: seria viável um golpe no Brasil? Gasset escreveu que o homem é ele e suas circunstâncias. Eis algumas: apoio social, economia saudável, pandemia controlada, contexto internacional e imagem do Brasil, felicidade nacional líquida e ameaça de divisão extremada na sociedade.


Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

Fonte: https://www.metropoles.com

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