Desde tempos imemoriais, a tragédia e a farsa se entrelaçam na política, talvez a arte coletiva mais marcante em todas as épocas. O estrago institucional em curso no Brasil vem sendo carimbado como obra exclusiva de Jair Bolsonaro. Sem dúvida, ele é o principal responsável. Mas não é o único. Caciques políticos de todos os naipes deixaram suas digitais nos mais variados retrocessos.
Todos eles estavam acuados pelas investigações que revelaram megas esquemas de corrupção país afora. Bolsonaro aproveitou essa e outras brechas na campanha eleitoral para vender a farsa de combatente da corrupção e chegar ao Palácio do Planalto. Ali, ele tentou e não conseguiu pôr debaixo do tapete as rachadinhas e outros malfeitos do seu clã. Seu discurso foi a pique. Acuado, fez um acordo explícito com o Centrão e implícito com as oposições, bancado até por ministros do Supremo Tribunal Federal.
Num verdadeiro passe de mágica, esse acordão deu resultados. O ex-presidente Lula foi reabilitado e abriu a porteira para uma penca de importantes políticos saírem da cadeia e voltarem a vida pública. Mensalão, Lava Jato e outros escândalos como as rachadinhas simplesmente viraram pó.
Bolsonaro foi além. Mesmo com novos escândalos pipocando, conseguiu a proeza de desmontar os órgãos públicos que deveriam ser independentes pra fiscalizar. Assim, meteu o bedelho no Ministério Público, na Polícia Federal, na Receita Federal, nas Forças Armadas e em toda a máquina pública. Conseguiu isso com a cooptação do Centrão, que ficou poderoso com a eleição de Arthur Lira para a Presidência da Câmara, que só chegou lá com uma mãozinha do PT, PSDB, PSB, DEM e outros partidos que se dizem oposição.
Há dois jogos jogados no tal terreiro das oposições. Um para se manter antenado com o pensamento de seus eleitores. O outro para satisfazer necessidades mais práticas de sua base eleitoral. É nesse nicho que dito oposicionistas, nas parcerias com Arthur Lira e Davi Alcolumbre, foram recompensados com nutridos nacos do tal Orçamento Secreto. Daí a resistência do Congresso em revelar quais verbas foram liberadas e a pedido de quem.
O entrave não são dos governistas, que fazem questão de alerdar em seus redutos eleitorais tudo o que conseguiram em Brasília. Quem quer esconder o toma lá dá cá é quem se apresenta como oposição, mas nos bastidores joga com o Centrão, que vende o passe de todos no acerto de contas com Bolsonaro.
O que mais impressiona não são as notórias divergências sobre democracia, economia, meio ambiente e direitos humanos, mas a exclusão no debate eleitoral de temas igualmente importantes como o combate à corrupção e a punição para quem assalta os cofres públicos. Podem até soar como corda em casa de enforcado nas campanhas dos atuais favoritos. Mas sem eles o debate fica capenga.
A conferir.
Andrei Meireles é repórter de Política há mais de 40 anos
Fonte: https://osdivergentes.com.br
