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Ai de ti, Copacabana!

Ai de ti, Copacabana!

“Ai de ti, Copacabana”, escreveu Rubem Braga naquele verão de 1958. “Porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas”.

O cronista da antiga capital assumiu ares bíblicos para prever, irônico, o fim da grande farra que movimentava aqueles quatro quilômetros de praia, no Rio de Janeiro. Aquela curva de areia à qual chamaram a Princesa do Mar e que dava “risadas ébrias e vãs no seio da noite”.

Era o tempo de um Brasil feliz. Brasília já estava em construção, a mais de mil quilômetros de distância, mas era ali, em Copacabana, onde tudo acontecia. As grandes festas, as conversas políticas, os amores escondidos e aquelas doces canções que ganharam o nome de bossa nova.

Como grande havia sido a sua vaidade, Copacabana, “os siris comerão cabeças de homens fritas na casca”. E o fogo e a água, alertou o cronista, a consumirão. Sobre seu “corpo fino e cheio de máculas” recairia fúria profética. “Canta a tua última canção, Copacabana!”.

De lá para cá, foram muitas. Algumas canções nasceram ali mesmo, sussurradas no apartamento de Nara Leão, com vista para o mar. Por gente como João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Roberto Menescal.

Mais tarde vieram as grandes festas de Ano Novo, onde milhões de pessoas mostraram que ainda era possível unir os diferentes em uma grande celebração. E vieram shows memoráveis, como o do Rolling Stones, para mais de um milhão de pessoas.

Já se foi o tempo de capital e das grandes festas. Já se foi o tempo da grande riqueza. A decadência trouxe a pobreza para as ruas. A violência cresceu. Mas, apesar de tudo, Copacabana ainda é uma das primeiras imagens que vêm à cabeça de quem pensa em visitar o Brasil.

Pois é a essa praia encantadora e festeira, ainda que marcada pelos sinais do tempo, que o presidente Jair Bolsonaro pretende levar a celebração dos 200 anos da independência. Mas não, não será uma festa como as outras, cheia de música, dança, fogos e alegria.

O aniversário do país, ao estilo Bolsonaro, será celebrado com um desfile militar à beira-mar. Nada de bossa nova, samba ou funk. O segundo centenário da nação brasileira terá como trilha sonora as canções marciais.

O roteiro do evento teve como único autor o presidente que buscará novo mandato menos de um mês depois do desfile de soldados e tanques de guerra.

Até hoje os desfiles militares que marcaram o 7 de setembro ocorreram no centro do Rio de Janeiro, assim como no Eixo Monumental de Brasília e no centro de outras grandes cidades, como São Paulo. Agora Bolsonaro quer levar as tropas para a avenida Atlântica.

Se o verde e o amarelo já haviam sido sequestrados por seus seguidores, agora Bolsonaro quer fazer de um desfile militar uma grande demonstração de sua própria força política. Amplificada aos olhos do mundo pela locação privilegiada.

Quando os militares chegarem a Copacabana, o Brasil já estará vivendo a efervescência da campanha eleitoral. Mas não como qualquer outra campanha.

Bolsonaro já disse a seus seguidores que eles deverão voltar às ruas em 7 de setembro, como fizeram no ano passado, em protesto contra ministros do Supremo Tribunal Federal. A capital federal viveu uma noite de medo e tensão na véspera da data nacional.

Naquele setembro, centenas de caminhões estacionaram na noite anterior à celebração a poucos metros da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Dava para sentir o tom de desafio no rosto dos manifestantes que pensaram em cercar a capital nacional em apoio a seu líder.

O cenário agora é outro. Os manifestantes não chegarão perto do mar com seus caminhões. Mas o tom de ameaça, a partir do chamado às ruas de seus seguidores feito pelo próprio presidente da República, ainda poderá ser o mesmo.

Assim chegaremos aos nossos 200 anos. Ai de ti, Copacabana!


Marcos Magalhães, jornalista 

Fonte: https://www.metropoles.com

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