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Afinal, o que Bolsonaro, sem uma agenda clara, foi fazer na Rússia?

Sou um repórter que em meus 50 anos de profissão sempre tentei me vacinar contra teorias de conspiração, independente de origem e motivação. Mas, sempre corri atrás de coisas mal contadas pelos poderosos de plantão, meus alvos móveis durante todas essas décadas. Esse nariz de cera é pra dizer que essa viagem de Bolsonaro à Rússia, por todos os ângulos, no mínimo carece de melhores explicações. Qual foi o verdadeiro motivo?

A alegação oficial é de que ele foi pedir a ampliação da venda de fertilizantes, essenciais para o agronegócio do Brasil. Pelo script original, faria parte da comitiva a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que não embarcou por estar com covid. O que não se sabe é se alguém foi no seu lugar. As revistas Cruzoé e Veja pediram informações ao Itamaraty e à Secretaria de Comunicação da Presidência da República sobre os nomes que integraram a comitiva presidencial. Não tiveram sequer uma resposta no que historicamente é praxe nas informações sobre as viagens presidenciais.

Por causa disso, a gente sequer sabe se havia alguém habilitado para conversar e negociar sobre fertilizantes com os russos. Menos mal que nos bastidores do Ministério da Agricultura o que se diz é que já estava tudo previamente acertado. Persiste a dúvida: o que Bolsonaro, com o filho Carlos a tiracolo, foi fazer lá. O que justificou uma viagem, contestada por históricos aliados brasileiros, não foi apenas por uma foto com Vladimir Putin para a campanha eleitoral. Por mais que agrade a aliados.

A Rússia sob o comando de Putin tem sido useira e vezeira em meter o bedelho em votações mundo afora. Se meteu no plebiscito na Escócia, em 2014, sobre sua permanência ou não no Reino Unido. Deixou digitais no Brexit que separou a Inglaterra da comunidade europeia. Bateu ponto na eleição francesa. Mas seu grande feito foi se intrometer nas eleições americanas e ajudar a eleger Donald Trump em 2016. Seus rastros alertaram o mundo democrático.

É preciso levar isso a sério. A galhofa nos diverte, mas não resolve o problema. Uns caras meio obscuros identificaram brechas reais na farra que cada vez mais aumenta as desigualdade sociais em todo o planeta e resolveram usar isso para porem a democracia na berlinda. Do nada eles saíram e fizeram um rebuliço geral. O falecido Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, Steve Bannon, estrategista de Donald Trump, e Alexandr Dugin, o cara de Putin nessa bizarra mas bem sucedida parceria internacional.

Com todas essas dúvidas no tabuleiro, outra pergunta mal respondida é o que Carlos Bolsonaro, o 02, foi fazer lá. Seu pai não costuma responder educadamente sobre os filhos. Mas abriu uma exceção em uma entrevista à Jovem Pan News. Disse, por exemplo, que Carlos dormiu em seu quarto. E que ele “mexe” nas redes sociais prestando informações a todos. “Face, Telegram, Twitter passam pelo crivo dele, uma pessoa que não ganha nada do governo federal”, mas que é vereador no Rio de Janeiro onde deveria dar expediente. A única explicação que deu é que gosta de ser acompanhado por algum filho “nessas oportunidades”.

Bolsonaro ensaboou respostas na entrevista em Moscou, em Brasília o ministro Edson Fachin, que assume a presidência do Tribunal Superior Eleitoral semana que vem, pôs o dedo na ferida. Em sessão do tribunal, ele afirmou que já há tentativa de hackers em “interferência russa” no processo eleitoral brasileiro. Bolsonaro sentiu a estocada e passou recibo.

Em entrevista à Jovem Pan, ele disse que “não estou na Rússia para programar ataque hacker a computadores do Tribunal Superior Eleitoral. O próprio Fachin acaba de comprovar, no meu entender, que não tem confiança no sistema eleitoral. Eu não sei o que está passando na cabeça deles. Se o sistema eleitoral é inviolável, por que essa preocupação? Acabaram de comprovar que existe e pode ser violável”.

Na política, quando não tem contraditório, é muito fácil transformar limão em limonada. Ao atacar a justiça eleitoral e as urnas eletrônicas sem sequer contestado e sequer um indício parece que Bolsonaro e seu entorno preparam defesas sobre acusações de manipulação nas redes sociais, com a ajuda da Rússia ou não, e um arremedo de justificativa para sua eventual derrota eleitoral.

A conferir.


Andrei Meireles é Repórter de Política

Fonte: https://osdivergentes.com.br

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