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A nova ofensiva pelo marco temporal

A nova ofensiva pelo marco temporal

O projeto do marco temporal das demarcações indígenas avançou no Senado esta semana, mas a bancada ruralista já prepara a continuação da guerra em relação ao tema por outros meios. Os ruralistas venceram na Comissão de Agricultura, nessa quarta-feira e têm maioria para aprovarem a proposta na Comissão de Constituição e Justiça nas próximas semanas, mas sabem que a chance desta proposta se converter em lei é muito baixa. Pode demorar para ser colocada em votação no plenário, se aprovada pode ser vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se derrubado o veto pode ser barrada no Supremo.

A chave para a polêmica continuar está na Câmara. Deve voltar a andar na Casa a Proposta de Emenda Constitucional 132, parada desde 2016. Ela tornará as demarcações mais caras.

A PEC muda o parágrafo 6 do artigo 231 da Constituição, que diz respeito a expropriação de terras ocupadas por populações indígenas. O texto da proposta estabelece a possibilidade de indenização pelo valor da terra nua e por benfeitorias. A indenização só poderia ser feita em títulos de dívida agrária (TDA) se interessar ao proprietário rural atingido. Do contrário, só em dinheiro e de forma prévia. Hoje, o que o texto constitucional dispõe é o pagamento por benfeitorias, não menciona terra nua.

Em resumo, a questão do marco temporal é a seguinte: o agronegócio apresentou uma demanda, em análise no STF, para fixar a data de promulgação da Constituição como pré-requisito para se reconhecer uma terra como indígena. Só seriam reconhecidos como tal os territórios com ocupação indígena comprovada antes de 5 de outubro de 1988, não depois dessa data.

O julgamento no STF está 2 a 1 contra a tese. O ministro André Mendonça pediu vista, mas deve apresentar seu voto na primeira semana de setembro. Caso a tese seja derrotada, a iniciativa legislativa que propõe o marco temporal deve cair no Supremo. Pareceres da Advocacia Geral da União e da Funai apontam outras nove inconstitucionalidades no projeto, que não se limita a tratar da data para reconhecimento de terra indígena.

O voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contra o marco temporal no dia 7 de junho estimulou os ruralistas a buscar a fazer a PEC 132 voltar a andar. Por duas razões.

A primeira é que o voto de Moraes sinaliza que a tendência do STF é mesmo não reconhecer o marco temporal. A segunda razão é que Moraes sinalizou que os que adquiriram de boa fé terras posteriormente reconhecidas como indígenas merecem indenização tanto em relação a benfeitorias quanto à terra nua.

É exatamente esse o teor da PEC 132, apresentada em 2011 pelo então senador Paulo Bauer (PSDB-SC), votada pelo Senado quatro anos depois, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 2016 e desde então aguardando a instalação de Comissão Especial.

O questionadíssimo projeto que está no Senado busca regulamentar o artigo 231, e não modificá-lo. Não trata portanto da questão da indenização, e nem precisaria. Se esse projeto estivesse em vigor, até as atuais terras indígenas estariam em risco. A PEC 132 é muito mais cirúrgica. Atende ao núcleo central do que pretende o agronegócio. Como disse o presidente da Federação de Agricultura do Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni, durante audiência pública no Senado, “podem fazer a demarcação que quiserem, contanto que paguem”.

O governo claramente é contra uma solução neste sentido. Crê que o estabelecimento de indenização pela terra nua e por benfeitorias pode gerar uma conta impagável. O Palácio do Planalto espera que a modulação da decisão do STF se afaste consideravelmente do espírito da PEC 132.

A prioridade do governo, no momento, é retardar o avanço do projeto do marco temporal no Senado. As opções do líder do governo na Casa, senador Jaques Wagner (PT-BA), são limitadas. Na semana passada, pela primeira vez, abriu-se um diálogo entre os articuladores do governo e a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) sobre a questão do marco temporal, mas sem avanços.

Houve a sugestão de se levar a proposta para a discussão de outras comissões no Senado, mas os ruralistas garantiram que a proposta tramitasse apenas na Comissão de Agricultura e na CCJ, antes de chegar ao Senado. Tenta-se agora negociar com o presidente da Comissão, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), a designação de um relator disposto a fazer modificações no projeto, o que devolveria a matéria à Câmara, caso aprovada. Mas a tendência é que o senador Márcio Bittar (União Brasil-AC), bolsonarista, fique com a incumbência de dar o parecer.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizou um freio. “É possível ter algo moderado, sem radicalismo”, afirmou durante discurso em evento promovido pelo Conselho das Américas. De acordo com Pacheco, “o projeto do marco temporal precisa ser amadurecido”.

Pacheco está numa sinuca: é voz corrente em Brasília que o presidente do Senado busca se credenciar para ser indicado no futuro a uma cadeira no STF. Para isso, precisa mostrar algum grau de sintonia tanto em relação ao Planalto, que pode indicá-lo, como para sua própria base, já que cabe aos senadores referendar a indicação. E a bancada ruralista cobra do presidente do Senado colocar em pauta não só este projeto como outros de interesse do setor.

César Felício, jornalista

Fonte: https://valor.globo.com/

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