..::data e hora::.. 00:00:00

Artigos

A destruição como espetáculo

A destruição como espetáculo

Um homem de jaqueta de couro sorri para a câmera e exibe uma marreta dourada. À sua volta, a multidão grita em coro: “Destruição! Destruição!”. O homem fixa os olhos na maquete de um edifício histórico. Passa a golpeá-la com fúria, até reduzi-la a migalhas.

O protagonista do vídeo que ganhou as redes é Javier Milei, presidente eleito da Argentina. A maquete representava o Banco Central, que ele ameaçou dinamitar e incendiar quando chegasse ao poder.

A extrema direita cultua a ideia da demolição. Seus próceres prometem desmantelar o Estado, desmontar políticas públicas, desossar instituições que esconderiam seus adversários.

“O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”, disse Jair Bolsonaro no terceiro mês de governo.

Seu amigo argentino atualizou o lema para a era dos memes. Vestiu fantasia de super-herói, levou uma motosserra para o palanque, despedaçou um Banco Central de isopor.

Milei vendeu a destruição como espetáculo. Num país farto de políticos convencionais, apresentou-se como um vingador sem medo do ridículo. O candidato emergiu como o porta-voz dos revoltados. Agora o presidente terá que satisfazer as expectativas que criou.

No domingo, ele anunciou “o fim da decadência argentina” e proclamou que o país “voltará a ser potência mundial”. O discurso mistura um passado idealizado com um futuro utópico. A Argentina nunca foi o país mais rico do mundo, como Milei martelou na campanha. E não sairá do buraco tão cedo, apesar de suas promessas.

Se for implementado ao pé da letra, o plano do “anarcocapitalista” arrisca produzir uma convulsão social. Mais de 40% dos argentinos vivem na pobreza, sendo 10% na indigência. O discurso ultraliberal seduziu eleitores cansados do peronismo, mas não vai alimentar milhões de famílias que hoje dependem de auxílios do governo.

Além de fechar o BC e extinguir a maioria dos ministérios, o novo presidente quer implodir o Mercosul e abandonar as metas da ONU para a redução de emissões. A exemplo do capitão e de Donald Trump, ele nega a ciência e diz que o aquecimento global é invenção de comunistas.

O histórico da Argentina sugere que a agenda de Milei deve gerar protestos nas ruas. Eleito com discurso radical, ele já avisou que será “implacável” com quem tentar freá-lo. A ver se a ideia é usar a marreta.

Bernardo Mello Franco, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/

banner mk xl